Em muitos aspectos, a casa da australiana Bernadette Roberts é exatamente como qualquer outra, com seus três quartos, sala, copa e cozinha. Mas não se trata de uma casa comum: Roberts vive debaixo da terra.
Ela é uma das moradoras de Coober Pedy, uma pequena cidade 846 quilômetros ao norte de Adelaide, no sul da Austrália. O lugar é famoso por duas coisas: suas minas de opala e seus "esconderijos" – casas subterrâneas escavadas nas pedras e que abrigam 80% da população local.
Coober Pedy é um lugar inóspito, onde a temperatura pode chegar a 50ºC. Há um século, mineradores que trabalhavam ali perceberam que o subsolo era muito mais fresco, e os moradores aderiram à ideia.
Mas enquanto o clima radical obrigou os habitantes de Coober Pedy a se mudarem para debaixo da terra, este não é o único lugar do mundo onde as autoridades estão procurando novos espaços urbanos sob nossos pés.
Crescendo para baixo
Com a expectativa de que dois terços da população mundial viva em cidades até 2050, terrenos urbanos devem se tornar um recurso cada vez mais limitado. E, por causa de restrições de espaço e outros fatores, muitas cidades não podem mais crescer para o alto nem para os lados.
Pensamos no caso de Cingapura, um dos países mais lotados do planeta. Sua população de quase 5,5 milhões de pessoas se espreme por um território de apenas 710 quilômetros quadrados.
Por isso, um dos planos atualmente sobre a mesa dos urbanistas locais é a Underground Science City (USC). Projetada para abrigar um instituto de pesquisas de 300 mil metros quadrados a uma profundidade entre 30 e 80 metros, a USC vai servir para dar apoio às indústrias biomédicas e bioquímicas, entre outras. Se sair do papel, terá capacidade para 4,2 mil trabalhadores.
Em outros casos, a terra é escassa por causa de questões de preservação do patrimônio. Na Cidade do México, por exemplo, existem restrições rígidas a construções no centro histórico.
Pensando nisso, a empresa BNKR Arquitectura desenhou uma gigantesca pirâmide invertida de 300 metros de profundidade, batizada de Earthscraper ("Arranha-terra", em tradução literal). O prédio abrigaria 5 mil pessoas, com os andares recebendo luz natural através de um enorme teto de vidro, apesar de os andares inferiores precisarem de luz extra por fibra óptica.
O sócio fundador e presidente-executivo da BNKR, Estebán Suárez, espera que o Earthscraper inspire uma nova "espécie" de edifícios.
China subterrânea
Enquanto isso, na China, a demanda por casas baratas em Pequim está obrigando as pessoas a se mudarem para o subsolo em condições muito menos glamourosas.
Annete Kim, diretora do Laboratório de Análise Espacial da Universidade de Southern California, passou quase um ano na capital chinesa estudando as condições de quem vive nas casas subterrâneas da cidade – um mix de antigos abrigos anti-aéreos e porões comuns reformados para servirem como quartos.
"Existe de tudo. Eu imaginava encontrar uma imundície horrorosa – e realmente existem lugares terríveis. Mas me surpreendi por também encontrar casas bem aprazíveis, condizentes com os padrões de Pequim”.
Segundo Kim, as estimativas oficiais dão conta de que entre 150 mil e 2 milhões de pessoas vivam no subsolo de Pequim.
Cerca de 1 mil quilômetros mais ao sul, perto de Xangai, empresários do setor imobiliário estão experimentando um uso totalmente diferente do espaço subterrâneo com o Shimao Wonderland Intercontinental – um hotel de 300 quartos que está sendo construído em uma pedreira de 90 metros de profundidade e em desuso.
Martin Jochman, diretor de design responsável pelo conceito do hotel, afirma que a maior dificuldade é seu formato "de cabeça para baixo". "Coisas como água e esgoto têm que ser bombeados para cima, em vez de descerem, por exemplo", afirma.
Mas o lugar tem suas vantagens. A topografia da pedreira cria um microclima que absorve o calor do verão e o libera lentamente como um radiador no inverno.
A temperatura também é um fator determinante em Helsínque, na Finlândia, onde as autoridades construíram 9 milhões de metros cúbicos de instalações sob a cidade, incluindo lojas, uma pista de corrida, um rinque de hóquei no gelo e uma piscina.
O gerente de design do projeto, Eija Kivilaakso, afirma que as condições climáticas no subsolo são em geral mais favoráveis do que ao ar livre, especialmente no inverno, quando a temperatura externa pode passar de -20ºC.
Acabar com preconceitos
Mesmo sendo tecnicamente possível construir espaços de convívio subterrâneos, será que estamos dispostos a passar longos períodos no subsolo?
Para uma pequena parcela das pessoas, a simples ideia de estar debaixo da terra em um espaço confinado pode ser aterrorizante. Gunnar D. Jenssen, consultor em psicologia subterrânea e design espacial para a entidade de pesquisa escandinava SINTEF, descobriu que 3% das pessoas são extremamente claustrofóbicas.
Mas há maneiras de contornar esses medos. "Se você der a elas algo que pareça que estão em controle da situação, elas aceitam. Esse é o segredo. Transferir isso para a arquitetura é o trabalho que temos desenvolvido", afirma.
Jenssen trabalhou em quatro dos mais longos túneis rodoviários do mundo. Para criar uma ilusão de espaço, ele instalou em cada um uma espécie de oásis bem iluminado, com palmeiras, e com uma imagem de céu ao longo da rota.
Mas será que viver sob a terra traria os efeitos negativos da falta de luz do sol?
Segundo Lawrence Palinkas, da Universidade de Southern Califórnia, a falta de luz solar pode prejudicar o sono, o humor e a função hormonal. "Mas uma exposição rotineira a uma luz clara que possa replicar as propriedades do sol pode ajudar as pessoas a viver sob a terra por mais tempo", diz.
Espaços públicos primeiro
Portanto, em teoria, nós podemos morar no subsolo. Mas será que realmente vamos?
Annette Kim, que testemunhou os efeitos da alta demanda por casas em Pequim, acredita que sim. "Se continuarmos a ter essa urbanização rápida e pessoas querendo viver nas grandes cidades, vamos ter que usar essa saída", afirma.
Segundo ela, tudo vai depender de como o espaço será usado: "Muitas dessas pessoas só vão para casa para dormir. Não para curtir o ‘lar, doce lar’. Para isso elas usam os espaços da superfície, para estarem no sol e ao ar livre".
Li Huanqing, pesquisadora da Universidade Tecnológica de Nanyang e especialista em urbanização subterrânea, afirma que a maioria das cidades não está planejando casas subterrâneas, mas espaços multifuncionais que serão ocupados por centros comerciais e outros lugares públicos, livrando mais terrenos na superfície para casas, parques e centros de lazer.
Leia a versão original desta reportagem em inglês no site BBC Future.
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