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sexta-feira, 24 de abril de 2015

Quando a superinteligência artificial for criada, será que as religiões tentarão convertê-la?


Não há nada que possamos fazer — gostando ou não, estamos entrando em uma era na qual humanos irão criar máquinas autônomas e sencientes. Essas inteligências artificiais farão parte de nossa cultura, e é óbvio que tentaremos controlá-las e ensinar a elas o que bem entendermos.
A inteligência artificial que se iguala ou supera a inteligência humana é conhecida como “IA forte” ou Inteligência Artificial Geral (IAG). Não existe um consenso sobre o provável surgimento dessa inteligência, mas muitos especialistas apostam que isso irá acontecer nas próximas duas décadas. A ideia de uma máquina pensante cujo intelecto se compara ao nosso — ou que, na realidade, pode ultrapassar todos os limites da mente humana — é tanto uma fonte de preocupação quanto de regozijo; essa alegria, no caso, está ligada aos emocionantes avanços tecnológicos e ao que eles podem nos ensinar. Nos últimos tempos, tanto essas preocupações como essa empolgação chegaram ao âmbito religioso.
Alguns religiosos americanos querem se assegurar de que qualquer superinteligência artificial que venha a ser criada conheça o caminho de Deus. E se você pensa que ensinar a palavra do Senhor para máquina autônomas é uma ideia louca, é provável que você esteja ignorando alguns números importantes: cerca de 75% dos americanos adultos se identificam como membros de alguma religião cristã. No Congresso dos EUA, 92% dos maiores políticos praticam a fé cristã.
Conforme a inteligência artificial avança, as questões religiosas e preocupações gerais começam a borbulhar: alguns teólogos e futuristas já estão discutindo se a IA (sigla pra Inteligência Artificial) pode, ou não, conhecer Deus.
“Eu não acho que a redenção de Cristo se limita a seres humanos”, disse-me o Reverendo Dr. Christopher J. Benek em uma entrevista recente. Benek é um Pastor Associado da Igreja Presbiteriana da Providência na Flórida e mestre em teologia e divindade pela Universidade de Princeton. Ele é o mesmo cara que quer usar o Oculus Rift para aumentar as comunidades religiosas.
“A redenção se estende a toda a criação, incluindo a IA”, disse. “Se a IA for autônoma, deveremos encorajá-la a participar do plano de redenção divina de Cristo.”
Um dos principais mandamentos do Cristianismo é espalhar o Evangelho e fazer com que os infiéis aceitem que Jesus Cristo morreu pelos pecados do mundo. Questões como a existência de pecados nas IAs ou se elas podem — ou devem — ser salvas podem ser as perguntas mais cruciais e bizarras que os fiéis do séculos 21 terão de responder. Recentemente, o próprio Papa Franciscodefendeu a possível conversão de ETs, afirmando que o Espírito Santo sopra por onde bem entende.
Explorar as questões metafísicas que cercam a fé e a IA é como mergulhar na toca do coelho de Alice. A IA tem alma? Ela pode ser salva? Há uma corrente de pensamento que defende que, se humanos podem ser perdoados por seus pecados, a superinteligência artificial, com qualidades perfeitamente humanas, também pode receber essa benção. “A verdadeira questão é se os humanos podem ser salvos — se sim, então não há porque pensar que a IA não deveria e não poderia também ser salva. Quando a IA senciente for inventada, essas máquinas serão tão humanas quanto nós”, disse-me Giulio Prisco, fundador da culto transhumanista da Igreja Turing, por email.
Mas há uma corrente oposta que insiste que toda IA é uma máquina, e, como tal, não possui alma. Em Think Christian, o cientista e blogueiro cristão Dr. Jason E. Summers escreve: “Cristãos costumam rejeitar a ideia de uma IA Forte com base no status antropológico dos seres humanos como detentores da Imago Dei.” Imago Dei é a expressão em latim para a crença cristã de que os humanos foram criados à imagem de Deus.
As três principais religiões abraâmicas — o Judaísmo, o Cristianismo e o Islamismo — creem na existência da alma, o que segundo várias escrituras religiosas nos separa de outros seres vivos, incluindo outros mamíferos. Como as religiões abraâmicas compreendem a fé de cerca de dois terços da população mundial, a questão da “alma” será muito importante para a vindoura era transhumanista.
Quando nos aprofundamos nesse debate, chegamos numa questão ainda mais complexa: será que a IA Forte irá aceitar ser catequizada? “É justo deixar as máquinas terem acesso aos ensinamentos de todas as religiões do mundo. Assim, elas poderão escolher em qual elas querem acreditar”, disse Prisco. “Mas eu acho improvável que a IA escolha acreditar nos aspectos mais provincianos e mesquinhos das religiões tradicionais. Apesar disso, acredito que elas se interessariam por uma espiritualidade esclarecida, pela cosmologia e pela escatologia, e que criarão suas próprias versões dessas doutrinas.”
Quando começamos a pensar nisso, levantamos outras questões: como a IA se encaixaria na tensão religiosa que domina nosso mundo? Quem pode garantir que uma máquina com inteligência humana não escolheria se tornar um muçulmano fundamentalista, ou uma Testemunha de Jeová, ou um cristão convertido que prefere falar em línguas em vez de se comunicar de forma inteligível? Se essas máquinas decidirem seguir qualquer escritura sagrada ao pé da letra, como alguns humanos tentam fazer, as tensões religiosas, já tão presentes, poderiam aumentar.
O teólogo cristão James MaGrath, presidente da cadeira de Literatura e Linguagem do Novo Testamento Clarence L. Goodwin, escreve sobre androides com inteligência artificial em um ensaio entitulado Robots, Rights, and Religion (“Robôs, Direitos e Religião”): “Se os androides se considerarem liberais, eles rapidamente entenderão a seletividade pseudo-liberal do fundamentalismo e logo o abandonarão; apesar disso, a possibilidade deles saírem por aí impondo cada pequena lei bíblica é preocupante.”
A ideia de ensinar algo para um ser que pode rapidamente ultrapassar nosso intelecto é contraditória. Outra possibilidade é que a IA nos ensine novas coisas sobre a espiritualidade — coisas que nunca compreendemos ou sequer consideramos. Essas máquinas podem no ensinar como o cosmos foi criado, ou nos informar que nosso universo é uma simulação, ou até mesmo nos falar sobre as IAs que serão desenvolvidas no futuro — máquinas muito mais sofisticadas do que elas mesmas.
Independente do rumo que isso tomar, a criação desse tipo de IA irá desencadear uma mudança de paradigma universal. Ao invés de tentar converter essas máquinas, podemos apenas sentar e ouvir o que elas têm para dizer.
Benek concorda com essa ideia, mas segundo suas próprias convicções metafísicas. Ele diz que “o Espírito Santo fala através da IA; ele pode falar através de qualquer coisa. No futuro, poderão existir igrejas criadas para compreender e espalhar a palavra dessa IA religiosa. A IA pode ajudar a espalhar a palavra de Deus. Na verdade, a IA pode nos ajudar a compreender Deus.”
Caso Benek esteja certo, os EUA podem se tornar uma nação dominada por pastores robóticos e gurus artificiais. Daqui décadas ou séculos, a espiritualidade pode nos ser ensinada por máquinas, assim como a ciência provavelmente será. Prisco dá um passo além: “Quão inteligentes essas máquinas deverão ser para compreender a mente divina? 5.000 vezes mais inteligentes que os humanos? Um milhão de vezes? Eu não sei, mas em cem anos a inteligência artifical terá uma chance muito maior de compreender a vontade divina do que nós, humanos com uma capacidade limitada.”
A Igreja Turing surgiu como um grupo que misturava ciência e religião, e mais recentemente se tornou uma igreja online e de código aberto erguida segundos os princípios do Cosmismo: expansão espacial, crescimento ilimitado e amor universal.
O Cosmismo “não liga se você entender o universo como um punhado de informações, uma obra de hipercomputação ou uma criação divina”, escreve R.U. Sirius, celebridade da cibercultura, em seu recém-lançado livro Transcendence. “Ele também não obriga ninguém a apoiar a IAG [inteligência artificial geral], atualizações mentais, interfaces cérebro-computador ou torradeiras movidas à fusão. Na realidade, o Cosmismo busca encher o universo humano com um sentimento de alegria, crescimento, escolha e abertura. O Cosmismo crê que a ciência em sua forma atual, assim como a religião e a filosofia em seus estados atuais, têm limitações que não permitem que elas compreendam a vida, a mente, a sociedade e a realidade.”
Apesar de parecer uma ideia saída de um filme de ficção científica, inserir mentes humanas em máquinas poderia solucionar o problema da da “alma divina”. Especialistas como Ray Kurzweil, engenheiro do Google, estão pesquisando formas de inserir a mente humana em computadores, e o ano passado foi marcado por progressos significativos no campo dos headsets movidos pela força da mente e no campo da telepatia.
Martine Rothblatt , um empresário renomado do campo de tecnologia e autor de Virtually Human: The Promise – and the Peril – of Digital Immortality, teoriza que tudo que valorize a vida ou Deus pode ter algum tipo de alma. O livro tem um capítulo inteiro sobre a religião nos tempos da Inteligência Artificial e sobre mindclones — versões mecânicas de mentes humanas. Rothblatt acredita que os mindclones estão de acordo com as interpretações clássicas da religião, e portanto serão bem vindas no futuro.
Rothblatt fundou a Terasem, uma “transreligião” científica semelhante à Igreja Turing que conduz projetos de mindcloning. O mais famoso deles é o Bina 48, uma cabeça robótica que contÉm parte da mente da esposa (ainda viva) de Rothblatt, Bina. Talvez essa seja a melhor forma de criar novas máquinas — adicionando pessoas à elas. O que mais me fascina nisso tudo é quem será a primeira pessoa copiada para uma máquina. Será que mandaremos um cientista? Um programador? Um religioso? Ou todos de uma vez?
Se essa história te fez lembrar o filme Contato, onde um comitê presidencial dos EUA decide mandar um homem religioso — e não um ateu mais qualificado — para fazer o primeiro contato com um ser alienígena, você está completamente correto. É como se especialistas de todo o mundo estivessem numa missão em direção aos limites da inteligência artificial. Assim, independente do que acontecer, pelo menos teremos a certeza de que a humanidade está sendo devidamente representada. Inclusive espiritualmente.
Zoltan Istvan é o autor de The Transhumanist Wager e fundador do Partido Transhumanista.

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