Translate

terça-feira, 21 de julho de 2015

Teoria sugere que vida na Terra só foi possível graças a Júpiter


Júpiter é o maior e mais imponente planeta do Sistema Solar, e seu nome é uma homenagem ao todo poderoso deus romano. Rei de todas as divindades da Roma Antiga, seu equivalente na mitologia grega é ninguém menos que Zeus. E conforme os astrônomos aprimoram suas teorias sobre a formação de planetas e de sistemas solares, a escolha do nome se mostra cada vez mais apropriada. A comunidade astronômica tem fortes indícios para crer que foi a presença de Júpiter que determinou a configuração atual dos planetas.
Ao que tudo indica, por ser gigantesco, ele atua como uma espécie de barreira gravitacional que não deixa os outros gigantes gasosos migrarem para mais perto do Sol - o que destruiria os planetas rochosos internos, inclusive o nosso. Em outras palavras, Júpiter seria o rei do Sistema Solar porque estabiliza as órbitas de todos os outros astros. “Essa estabilidade, em uma escala de bilhões de anos, tem permitido o surgimento da vida na Terra”, afirmou a GALILEU Jorge Meléndez, astrônomo do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP.
Astrônomo Jorge Meléndez nas instalações do ESO, no Chile (Foto: Acervo Pessoal)
O pesquisador é líder da equipe de brasileiros que encontrou um exoplaneta gêmeo de Júpiter orbitando uma distante gêmea do Sol, descoberta anunciada na semana passada pelo Observatório Europeu do Sul (ESO, na sigla em inglês). Caso as teorias mais aceitas atualmente estejam corretas, isso significa que aquilo que os cientistas acharam pode ser um sistema planetário semelhante ao nosso. E se a vida na Terra realmente só se desenvolveu graças à estabilidade gravitacional proporcionada por Júpiter, então é possível que esta estrela alienígena também abrigue um mundo rochoso com condições propícias para a evolução de seres vivos. Seria a Terra 2.0 que os astrônomos tanto buscam. “Uma coisa interessante dessa gêmea solar é que ela tem uma idade similar à do Sol - ele tem 4,6 bilhões de anos, e essa gêmea tem quatro bilhões de anos”, explica Meléndez. “Se lá existir uma gêmea da Terra, já teve tempo suficiente para ter desenvolvido algum tipo de vida, inclusive vida mais complexa, como temos aqui.”
Conversamos com o astrônomo da USP sobre a descoberta e seus possíveis impactos nas ciências do espaço. Estamos perto de encontrar uma segunda Terra ou um sistema solar parecido com o nosso? Somos mesmo filhos de Júpiter? Confira na íntegra a entrevista com Jorge Meléndez:
Pode contar brevemente como vocês conseguiram descobrir um gêmeo de Júpiter orbitando uma gêmea solar?
A pesquisa tem quase quatro anos de duração, sou o líder da equipe. Em março de 2011, mandei o projeto para o Observatório Europeu do Sul (ESO), porque o Brasil tinha acabado de assinar um acordo para ser membro do observatório. Aproveitando esta oportunidade, mandei um projeto para o ESO solicitando 88 noites de observação, divididas em quatro anos. Isso entra na categoria que eles chamam de “large program”, é um projeto grande, de longo prazo, que vai muito além de um período típico. Em qualquer país do mundo, os astrônomos costumam solicitar tempo de observação que varia entre poucas horas até no máximo três noites. Apesar de muito ambicioso, nosso projeto foi aprovado e nós começamos as observações no final de 2011. Já temos quase quatro anos observando uma amostra de 60 gêmeas do Sol. Existem outros projetos de busca de planetas, alguns deles também incluem gêmeas do Sol, mas o nosso é o maior projeto focalizado apenas em gêmeas solares. Aproximadamente a cada três meses, um membro da nossa equipe vai até o Chile para fazer a coleta de dados, volta e os dados são distribuídos entre a equipe. Após quatro anos de pesquisa, conseguimos confirmar este planeta gêmeo de Júpiter.
O que esta descoberta significa para a astronomia?
É realmente relevante, especialmente considerando as teorias mais recentes sobre o Sistema Solar. A missão Kepler tem observado muitos sistemas planetários com versões bem mais massivas que a Terra, são as chamadas superterras, que costumam ter até dez vezes a massa do nosso planeta, e também versões um pouco menores que Netuno, chamados de mininetunos. Muitos astrônomos têm se perguntado: por que nosso Sistema Solar é diferente? Duas teorias tentam explicar isso, e ambas usam Júpiter na explicação. Uma delas diz que Júpiter atua como uma barreira gravitacional e não deixa que planetas como Netuno e Urano migrem da região externa para a região interna do Sistema Solar. Ele preserva a configuração de planetas gigantes externos e pequenos planetas rochosos internos. Se Netuno tivesse migrado, provavelmente teria terminado como um mininetuno, desestabilizando as órbitas da Terra e dos planetas rochosos - a gente não estaria aqui hoje.
Na outra teoria, o Sistema Solar teria nascido com superterras na região interna, só que nos primórdios, Júpiter teria migrado para perto daquela região e desestabilizou as órbitas desses planetas massivos. Elas colidiram entre si e foram deslocados em direção ao Sol. Depois, Júpiter voltou para a sua órbita atual, e os detritos das colisões formaram os atuais planetas rochosos. Se a gente tivesse uma superterra, não poderíamos ter uma Terra estável. A descoberta de um gêmeo de Júpiter em torno de uma gêmea solar abre as portas para termos um sistema similar, com gigantes gasosos na região externa e planetas rochosos na região interna.
A existência de um gigante gasoso como Júpiter em um sistema solar pode ser determinante para a formação de vida em algum dos planetas rochosos?
Sim, porque no final das contas, se não existisse esse planeta tipo Júpiter, que consiga estabilizar as órbitas em um sistema solar, os planetas rochosos internos acabariam sendo destruídos. Essa estabilidade em uma escala de bilhões de anos tem permitido o surgimento da vida na Terra. Uma coisa interessante dessa gêmea solar é que ela tem uma idade similar à do Sol - ele tem 4,6 bilhões de anos, e essa gêmea tem quatro bilhões de anos. Se lá existir uma gêmea da Terra, já teve tempo suficiente para ter desenvolvido algum tipo de vida, inclusive vida mais complexa, como temos aqui.
Jorge Meléndez e equipe ao lado do telescópio que usaram para descobrir o gêmeo de Júpiter (Foto: Acervo Pessoal)
Vocês pretendem continuar estudando essa estrela específica em busca de algum planeta rochoso ou, quem sabe, de alguma gêmea da Terra?
Nosso plano para médio prazo, mais ou menos três anos, é continuar com a observação não apenas dessa gêmea solar, mas de outras gêmeas solares interessantes, primeiro para descartar a presença de superterras. Uma previsão importante da teoria é que se tem um gêmeo de Júpiter, não deveriam existir superterras, e elas podem ser determinadas com a tecnologia atual. Com a tecnologia que está sendo desenvolvida no ESO e que vai começar a ser testada no final de 2016, vamos ter um importante salto tecnológico. Passaremos de uma precisão de um metro por segundo, que é a do instrumento HARPS, para uma precisão de dez centímetros por segundo. O efeito da Terra numa estrela como o Sol é de apenas nove centímetros por segundo. Na versão atual, que tem uma precisão de apenas um metro por segundo (que na verdade já é bastante alta), não é possível detectar uma outra Terra. Mas no futuro essa instrumentação vai estar disponível, e nossa equipe certamente tem planos a longo prazo de continuar procurando por superterras.
Você disse ao ESO que a busca por um Sistema Solar 2.0 e uma Terra 2.0 é um dos esforços mais empolgantes na astronomia. Diria que estamos perto destas descobertas?
Não é para já. É possível descobrir um planeta com a massa e o raio da Terra, mas só se estiver muito próximo da estrela, para que o sinal seja suficientemente amplo para ser detectado. Daria para detectar uma Terra agora, mas ela não seria habitável, apenas uma Terra quente. As escalas de tempo são mais ou menos as seguintes: o novo instrumento do ESO deve ser oferecido já no começo de 2017, mas é provável que apenas uma órbita de um gêmeo da Terra não seja o suficiente para confirmá-lo, pelo fato de o sinal ser muito pequeno. Dificilmente a comunidade astronômica aceitaria isso como uma detecção. Será preciso aguardar pelo menos duas ou três orbitas, ou seja, pelo menos três anos, até 2020, para confirmar que um gêmeo da Terra foi detectado. Diria que, antes disso, dificilmente seria confirmado. Minha previsão é que provavelmente entre cinco e dez anos isso possa acontecer.

Nenhum comentário:

Postar um comentário