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quinta-feira, 8 de outubro de 2015

Conversamos com o pesquisador brasileiro que descobriu água em Marte em 2008


Nilton Rennó tem um fascínio pela ciência espacial. O sentimento começou a ser nutrido durante o doutorado em ciências atmosféricas que cursou no Instituto de Tecnologia de Massachussetts (MIT). Nascido em São José dos Campos, em São Paulo, ele se formou em engenharia civil e ambiental pela Unicamp no ano de 1983, e vive nos Estados Unidos desde 1987.
Desde 2002, Rennó leciona a disciplina de ciência e engenharia espacial na Universidade de Michigan e adora compartilhar o gosto que sente pelo espaço com seus colegas e alunos. “A ciência espacial aqui é considerada uma inspiração para uma nova geração de cientistas e engenheiros, e também serve com incentivo para o desenvolvimento de novas tecnologias”, afirma.
O professor brasileiro fez parte da equipe que propôs e desenvolveu a missão Phoenix, que tinha como objetivo coletar amostras do solo de Marte para serem analisadas na Terra. Deu certo: em agosto de 2007, a sonda que levava o nome da missão foi lançada da Estação da Força Aérea de Cabo Canaveral, no estado da Flórida. Em maio do ano seguinte, a Phoenix pousou no planeta vermelho e começou a realizar seu trabalho.
Em uma das imagens da sonda, Rennó percebeu a presença de gotículas. O ano era 2008 e, mesmo com certa repercussão e mais de um estudo publicado sobre o assunto, o pesquisador brasileiro foi tachado de louco pela comunidade científica. No resumo de um dos artigos, Rennó e mais 22 colegas co-autores escreveram: "Nós sustentamos a hipótese de que água líquida salina possa ocorrer onde exista gelo no solo próximo à superfície marciana."
Uma explicação razoavelmente parecida com a que a Nasa deu recentemente, não é mesmo? Só que, sete anos após o ocorrido, a agência fez o anúncio sobre a evidência de água líquida na superfície de Marte — e Rennó não recebeu nenhum tipo de crédito ou menção pela descoberta.
"O problema é que a evidência que eles têm é mais fraca do que a da Phoenix", disse em entrevista à GALILEU. O professor que atualmente está envolvido com a missão Curiosity, também em Marte, falou como se sentiu com o anúncio e as possibilidades que a exploração do planeta vermelho podem trazer.
Como foi a sua descoberta da evidência de água líquida?
Durante a missão Phoenix me interessei por água porque eu tinha um aluno de doutorado que estava estudando a interação do motor do foguete com o solo durante a descida da Phoenix. Nosso objetivo era definir o quanto o solo ia ser levantado durante a descida para ver se havia problemas de engenharia, o que a gente devia fazer para deixar a descida o mais segura possível e vendo o que poderíamos aprender sobre o solo com a interação do motor do foguete com a superfície. Durante esse estudo, percebemos que, durante a descida, a Phoenix ia remover o solo e expor gelo, uns 10 a 20 centímetros abaixo do solo. Se isso acontecesse, esse gelo ia derreter parcialmente. Isso me levou a pensar em água.
Ilustração da sonda Phoenix chegando em Marte (Foto: NASA)
Você chegou a ver algum tipo de imagem que confirmasse essa suspeita?
Vimos algumas imagens com o objetivo de verificar se a Phoenix tinha exposto gelo mesmo. Foi incrível porque quando a sonda tirou a foto, era exatamente o que a gente tinha visto no laboratório. Com exceção que tinham umas gotículas, que me fascinaram. Eu queria entender o que era aquilo. A gente começou a tirar fotos de baixo a cada semana. Foi então que percebi que aquelas gotas estavam se movendo. Daí eu levantei a hipótese de que aquilo era água líquida, e que provavelmente tinha um sal ali para abaixar a temperatura de fusão e fazer a água ficar líquida. O pessoal achou que eu era louco. Falaram que não tinha evidência do sal, como eu podia dizer isso? Um pouco depois a Phoenix fez a medida da química do solo e percebeu que tinha sal lá. Daí eu escrevi o artigo sobre isso. Foi um pouco controverso. Primeiro porque era uma surpresa que ninguém esperava. Depois disso o pessoal falou 'ah, evidência legal, mas como você garante que as gotículas não estavam lá só porque a nave interagiu com o solo, o que não é uma coisa natural de Marte?’. Por isso que a Nasa fez uma coletiva achando que aquela foi a primeira evidência de água mais cristalina. O problema é que a evidência que eles têm é mais fraca do que a da Phoenix.

Saiu inclusive no The New York Times, não? Tomou uma proporção grande.
Você se sentiu menosprezado por essas alegações não terem sido levadas a sério na época?

Não. Só achei que o pessoal da missão mesmo podia ter a mente mais aberta. Mas o problema é que tem muita competição. Todo mundo quer competir com todo mundo. Com ideias. Não me senti ruim, só achei que foi difícil o processo. Um pouco cansativo.
É. Meu ponto de vista é que é muita competição para ser o grupo que teve a ideia melhor da missão. Eu fiz o melhor possível da oportunidade porque foi difícil na missão defender minha ideia, mas defendi até o fim. Publiquei o artigo, está tudo publicado. Minha ideia, apesar da resistência, foi para frente. Eu acho tudo isso positivo.
Como você se sentiu com o anúncio da Nasa?
[Risos] Duas coisas: um, legal que está todo mundo indo de carona na ideia agora, né. A ideia está bem aceita de que tem água líquida. Por outro lado, não entendi o motivo de a Nasa fazer isso, porque não tem nada de muita novidade. As evidências de 2008 da Phoenix são muito mais fortes do que as que se tem agora. E tem outros trabalhos publicados. No meu grupo, fizemos experimentos de laboratório que são superinteressantes. Como um publicado em 2014, no qual assimilamos as condições ambientais de onde a Phoenix desceu e tentamos reproduzir as gotas. A água se forma comumente em Marte em pequenas quantidades. O pessoal todo desse artigo da Nasa revelou que uma das hipóteses é a de que o sal absorve o ar da atmosfera para fazer o líquido. Nós mostramos que não, isso não acontece, é muito difícil de acontecer. Por Marte ser muito frio, esse processo é muito lento. Mas quando o gelo entra em contato com o sal, ele derrete imediatamente e forma a água. Então tanto na Phoenix como em outros lugares de Marte, a água provavelmente se forma quando o sal entra em contato com o gelo. Achei que a Nasa fez esse anúncio mais pelo momento, um pouco político por causa do filme. Foi um bom momento para anunciar. Mas acho que em relação à ciência, não tem nenhuma novidade tão forte.
Com os indícios de água, existem chances de que haja vida bacteriana. Quão próximos estamos de descobrir isso?
[Risos] Faço parte de um grupo que acabou de escrever um relatório requisitado pela agência espacial europeia e pela Nasa. Publicamos um relatório sobre isso uma semana antes do anúncio da Nasa. O assunto é justamente a probabilidade de ter vida bacteriana em Marte. Falamos de como a nave tem que ser esterilizada para ir para outro planeta, para evitar que ela pouse em lugares onde houver condições para a vida bacteriana se reproduzir e contamine o planeta. Agora, com a coisa da água, o pessoal está levando super a sério. Estão preocupados em ter vida bacteriana não só a probabilidade de contaminarmos Marte e outros lugares, mas de contaminar a Terra com bactérias de lá que a gente ainda não sabe se tem. Nunca estivemos tão perto de descobrir. Provavelmente tem vida lá. Podemos descobrir isso no futuro próximo, provavelmente nas próximas décadas.

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